Gaspar Noé conta a história de um casal de irmãos
americanos que se muda para Tókio depois de perderem os pais em um violento
acidente de carro na infância; o garoto se torna traficante e morre em cilada
preparada por um amigo, a garota se torna prostituta e gera um filho no qual o
irmão reencarna.
A
essência não está na história, mas em como é contada. A visão do espectador vem
dos olhos do protagonista, Oscar, com todas as distorções e profusão de cores
de um caleidoscópio eletrocutado, efeito das drogas utilizadas. A principal é o
DMT - dimetiltriptamina, substância psicodélica também liberada quando morremos. Oscar compra as passagens para
a irmã com o dinheiro das drogas vendidas em festas. Na primeira vez que
utiliza, a menina é convidada a se tornar dançarina, e logo passa a dormir com clientes da casa e se torna amante do dono.
Os
irmãos viveram uma infância turbulenta. Em um acidente de carro perdem os pais
que davam tanto amor e passam a viver em orfanatos, chegando a experiência traumática
de se separarem. Em Tókio se reencontram muito imaturos e jovens para uma vida
independente, o que os deixa propensos aos encantos da vida noturna. As cenas
de sexo se misturam com outras de momentos em família, o bebê mamando nos seios
da mãe, o garoto transando com a mãe do amigo que o denuncia à polícia.
Oscar morre e vivencia o que leu em um livro sobre espiritualidade tibetana. Depois da morte se depara com as cenas da vida, da infância ao presente. Faz viagens aéreas entre as realidades dos personagens. Acompanha a saga do amigo que o emprestou
o livro , que fugitivo da polícia passa a comer lixo; e do outro que o denunciou fazendo-o
levar um tiro, que vive a culpa amarga e um drama familiar por razão da transa
da mãe com amigo agora falecido; e a irmã, que depois do aborto tem um filho do
dono da boate, e nesse filho reencarna Oscar. O renascimento cessa a “bad trip”, que
resultou de uma promessa à irmã de que não deixaria o mundo dos vivos . No budismo esse renascer em outro corpo não é bem a reencarnação do espiritismo, mas o aprisionamento no ciclo de sofrimento da vida e morte do sansara.
As cenas em primeira
pessoa de Oscar sob efeito do DMT já causam vertigem, mas se tornam mais
intensas quando o garoto morre e inicia sua "viagem astral". Câmera trêmula, ângulos e perspectivas
distorcidas, luzes extremamente agressivas. Claustrofobia de locais fechados e atulhados de objetivos luminosos, ruas estreitas, quitinetes, boates lotadas, strobos multicores, som vertiginosa, parafernálias tecnológicas em um verdadeiro parque
de diversões alucinógeno.
Enter the Void se
coloca ao lado de clássicos como Irreversível (do mesmo diretor) e Saló, em
quesito vertigem e agressividade. Também penso em Shame, traçando um paralelo
em comum entre o casal de irmãos dos dois filmes, das histórias ocultas dos personagens
de Shame preenchidas pelos órfãos de Gaspar Noé.
Por Winie Vasconcelos.
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