terça-feira, 27 de agosto de 2013

Enter the Void – Gaspar Noé - 2009






















            Gaspar Noé conta a história de um casal de irmãos americanos que se muda para Tókio depois de perderem os pais em um violento acidente de carro na infância; o garoto se torna traficante e morre em cilada preparada por um amigo, a garota se torna prostituta e gera um filho no qual o irmão reencarna.
            A essência não está na história, mas em como é contada. A visão do espectador vem dos olhos do protagonista, Oscar, com todas as distorções e profusão de cores de um caleidoscópio eletrocutado, efeito das drogas utilizadas. A principal é o DMT - dimetiltriptamina, substância psicodélica também liberada quando morremos. Oscar compra as passagens para a irmã com o dinheiro das drogas vendidas em festas. Na primeira vez que utiliza, a menina é convidada a se tornar dançarina, e logo passa a dormir com clientes da casa e se torna amante do dono.
            Os irmãos viveram uma infância turbulenta. Em um acidente de carro perdem os pais que davam tanto amor e passam a viver em orfanatos, chegando a experiência traumática de se separarem. Em Tókio se reencontram muito imaturos e jovens para uma vida independente, o que os deixa propensos aos encantos da vida noturna. As cenas de sexo se misturam com outras de momentos em família, o bebê mamando nos seios da mãe, o garoto transando com a mãe do amigo que o denuncia à polícia.
            Oscar morre e vivencia o que leu em um livro sobre espiritualidade tibetana. Depois da morte se depara com as cenas da vida, da infância ao presente. Faz viagens aéreas entre as realidades dos personagens. Acompanha a saga do amigo que o emprestou o livro , que fugitivo da polícia passa a comer lixo; e do outro que o denunciou fazendo-o levar um tiro, que vive a culpa amarga e um drama familiar por razão da transa da mãe com amigo agora falecido; e a irmã, que depois do aborto tem um filho do dono da boate, e nesse filho reencarna Oscar. O renascimento cessa a “bad trip”, que resultou de uma promessa à irmã de que não deixaria o mundo dos vivos . No budismo esse renascer em outro corpo não é bem a reencarnação do espiritismo, mas o aprisionamento no ciclo de sofrimento da vida e morte do sansara. 
As cenas em primeira pessoa de Oscar sob efeito do DMT já causam vertigem, mas se tornam mais intensas quando o garoto morre e inicia sua "viagem astral". Câmera trêmula, ângulos e perspectivas distorcidas, luzes extremamente agressivas. Claustrofobia de locais fechados e atulhados de objetivos luminosos, ruas estreitas, quitinetes, boates lotadas, strobos multicores, som vertiginosa, parafernálias tecnológicas em um verdadeiro parque de diversões alucinógeno.
Enter the Void se coloca ao lado de clássicos como Irreversível (do mesmo diretor) e Saló, em quesito vertigem e agressividade. Também penso em Shame, traçando um paralelo em comum entre o casal de irmãos dos dois filmes, das histórias ocultas dos personagens de Shame preenchidas pelos órfãos de Gaspar Noé.


Por Winie Vasconcelos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário